A CPICIBER teve o seu desfecho final no último dia 04 de maio. Ela foi uma das mais longas Comissões de Inquérito Parlamentar da 55ª legislatura com quase 10 (dez) meses de duração.
Abril foi seu mês mais intenso, quando vieram a público diversas versões do seu relatório final com inúmeras proposições legislativas e recomendações para o combate aos crimes cibernéticos. Ao todo, foram 04 (quatro) versões num curto espaço de tempo, o que denota por si só a controvérsia gerada em torno do produto final desta CPI diante da complexidade dos temas que integraram a agenda dos trabalhos da Comissão.
Este pequeno ensaio visa fazer um balanço geral desse mês chave dos trabalhos da CPICIBER no que tange às propostas de alterações do Marco Civil da Internet. Nele, mapeia-se a evolução que o texto do relatório final teve ao longo dessas 04 (quatro) versões, a partir de uma perspectiva analítica que permite identificar de onde partimos, onde estamos e aonde podemos chegar.
A reta final da CPICIBER pode ser dividida em duas fases. Uma primeira em que os parlamentares foram pouco permeáveis à reação negativa da sociedade. E outra marcada pela intensificação dessa reação negativa e a sua internalização pelos membros da Comissão.
Na primeira, representada pelas duas versões iniciais do relatório final, os deputados-relatores quase não recuaram no plano original proposto de alteração do Marco Civil da Internet. Tais propostas giraram basicamente em torno da flexibilização das regras de proteção da neutralidade da rede, da sistemática prevista para o acesso a dados de conexão e acesso a aplicações, bem como do regime atualmente vigente para a remoção de conteúdos.
Nesse estágio inicial, houve um choque de posições antagônicas que gerou certa paralisia na condução dos trabalhos da CPICIBER. Tanto é verdade a sua primeira prorrogação ocorreu justamente na primeira metade desse mês chave, após forte mobilização social para que as propostas de alteração do Marco Civil da Internet fossem suprimidas. Por exemplo, sociedade civil e academia (um grupo de 49 instituições nacionais e internacionais), centros de pesquisa e coletivos individualmente (e.g., Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro/ITS, Coding Rights e Ibidem), o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e parte do setor empresarial (e.g., Information Technology Industry
Council) posicionaram-se contra a flexibilização do regime jurídico adotado com a Lei 12.965/2014.
Essa prorrogação permitiu que parte das dissidências acima referidas começassem a ser senão acolhidas, ao menos internalizadas pela CPICIBER, mostrando-se esse segundo momento qualitativamente diferente daquele primeiro.
Ao mesmo tempo, no entanto, já se perfazia claro um horizonte adverso em que tais propostas seriam levados a cabo pelos parlamentares. Por isso, em meio a essa conjuntura, alguns atores passaram atuar, paralelamente, na perspectiva de mitigação de danos. Por exemplo, o CGI.br, a organização Coding Rights, o Coletivo Intervozes e o Instituto Beta (estes três últimos em nota conjunta) acabaram por formular sugestões alternativas e subsidiárias e não mais apenas (ainda que o ideal) pela supressão de todos os anteprojetos de alteração do Marco Civil da Internet.
Já estava claro que a maioria avassaladora do deputados-membros da CPI eram favoráveis às propostas da CPCIBER, o que veio a ser confirmado pela votação expressiva de 17X9 pela aprovação da última versão do relatório.
O saldo dessas duas fases podem ser sumarizados pela seguinte caminho trilhado que perpassa as quatro diferentes versões do relatório final da CPICIBER:
a) Acesso a números IP sem ordem judicial: houve a supressão do Anteprojeto de Lei que previa o fornecimento do endereço IP sem ordem judicial de autoria da CPIBER. Síntese: Conseguiu-se, portanto, preservar o regime jurídico, advindo com o Marco Civil da Internet, pelo qual tal tipo de informação deveria ser fornecida somente mediante autorização de um juiz (artigo 10, caput, e §1º do MCI).
[Retificação: ao contrário do que foi dito na primeira versão desse artigo, o PL 5074/2016 não franqueia o acesso número IP sem ordem judicial nos termos descritos na errata que acompanha a tabela (acima).]
b) Remoção de conteúdo “acintoso contra a honra” e “idêntico” (PL 5203/2016): a primeira redação proposta pela CPICIBER criava: i) uma hipótese guarda-chuva para censura mediante a adoção do regime notice and take down para a remoção de conteúdo que atentasse de forma “acintosa contra a honra”, cuja responsabilização subsidiária dos provedores não estaria condicionada pelo descumprimento de ordem judicial; ii) a obrigação dos provedores de aplicação evitar que conteúdos ilícitos, assim reconhecidos por ordem judicial prévia, voltassem a ser replicados
na rede. Tal tipo de obrigação seria necessariamente operacionalizada por meio de técnicas de filtragem, inspeção e/ou análise do conteúdo dos pacotes dos dados que trafegam pela Internet que são expedientes extremamente invasivos à confidencialidade do fluxo das comunicações dos usuários e, ainda, resultam no gerenciamento de tráfego da rede que não se justifica por um aspecto técnico.
Síntese: Houve a supressão da hipótese ”f” (Quadro II) e, no que diz respeito à hipótese ”ii”, prevaleceu, em parte, a redação alternativa sugerida pelo CGI para a remoção de conteúdo idêntico, sem a necessidade de nova ordem judicial, mas que caberia a vítima indicar a localização inequívoca do material tido como infringente. Com isso, conseguiu-se evitar que os provedores estivessem obrigados a monitorar o tráfego da rede, o que geraria efeitos perversos sob a ótica da privacidade dos usuários e do próprio princípio da neutralidade da rede, ante a redação inicial de que eles deveriam adotar as providências técnicas para assegurar que o conteúdo infringente continuasse indisponível (Quadro III).
c) Bloqueio de aplicações (PL 5204/2016): essa foi a proposição mais criticada, capaz de gerar, por si só, uma nova prorrogação da CPI. Sem entrar na análise de mérito da (in)eficiência do bloqueio para o combate aos crimes cibernéticos (vide e.g., nota pública do CGI.br , slides da coalizão formada por Coding Rights, Instituto Beta e Intervozes e artigo do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro), nota-se que tal proposta sofreu modificações substancias com os seguintes resultados: i) a proposta de bloqueio não foi inserida sob o arcabouço do artigo 9º do MCI, o que seria uma porta aberta para a subversão do princípio da neutralidade de rede; ii) a criação de um dispositivo que limita a incidência da hipótese de bloqueio, prevendo-se, ao menos, a sua aplicação proporcional e a ser levado em consideração o “interesse público”; iii) facilitada pela comoção social em torno do bloqueio do WhatsApp (ocorrida no início da semana da votação do texto), criou-se uma ressalva para as aplicações de mensagens instantâneas, reduzindo-se, com isso, o escopo da hipótese de bloqueio.
Bruno R. Bioni e Diego Canabarro, para Observatório da Internet.
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