O “balde de água fria” após o Regulamento de Dosimetria e Aplicação de Sanções

Reflexões a respeito do sigilo dos processos administrativos após a expedição do Regulamento da Dosimetria e Aplicação de Sanções

O tão aguardado regulamento de dosimetria foi concluído, mas com ele veio um “balde de água fria”: a notícia de que os processos serão sigilosos até segunda ordem. Listo aqui 14 (quatorze) pontos para reflexão:

[1] Fazendo uma análise retrospectiva, qual é o sentido do regimento de processo de fiscalização e sancionador (Res.01/2021) prever a figura do “interessado”, a partir de uma lógica governança em rede, se estes não terão visibilidade para tanto? Como vão ajudar?

[2] O Art. 13 da Res. 01/2021 da autarquia descreve , dentre outras coisas, da importância de organizações e associações, até acadêmicas, ingressarem ao longo processo sancionador para colaborar com defesa de direitos difusos e coletivos.

[3] Na época, eu lembro que nossa contribuição do Data Privacy Brasil defendeu esse ponto e vibramos, porque, para além dos legitimados para ACPS, outros atores com expertise poderiam ser “amigos” da autarquia ao longo do processo decisório (entidades acadêmicas).

[4] Nosso comentário foi “congratula-se a redação proposta que considera o papel entidades de direitos difusos e coletivos para além daqueles legitimados para propor ações judiciais a esse respeito”.

[5] O próprio artigo 13 prevê que esse ingresso deve observar o segredo comercial e o industrial. Ou seja, afasta-se de uma lógica do tudo ou nada e, assim, apenas uma parte dos autos pode estar restrita e outras não.

[6] Isso faz total sentido com o artigo 5º da mesma Res 01/2021 que prevê que é ônus da parte fiscalizada indicar quais documentos, se divulgados, poderiam causar violação a segredo comercial e industrial.

[7] Aqui vale lembrar os alertas do Fillipo Lancieri acerca da importância de processos serem públicos por padrão no campo da concorrência. Dialogando com ele ressaltamos que:

[8] ”recomenda-se que haja uma seção que discipline detalhadamente tal regramento e suas exceções. Como resultado, há uma maior visibilidade sobre o processo de fiscalização e aplicação das normas e, por conseguinte, menos suscetível à captura.”

[9] Infelizmente, esse regulamento é muito mais tímido que o do CADE, por exemplo. Este tem uma longa seção a respeito e quase uma taxonomia sobre níveis de acesso.

[10] Por fim, mas não menos importante, o argumento de que a publicidade do processo administrativo equivaleria à sanção de publicização não para em pé, com o devido respeito. A própria norma de dosimetria diz que a publicização cabe ao próprio infrator (Art. 20, §1º, da Res -4/2023)

[11] E o mesmo artigo arremata, dizendo que os custos devem ser arcados pelo próprio infrator (Art. 20, §2º, da Res 4/2023). A publicidade do processo administrativo é uma publicidade dada pelo próprio infrator e por ele custeada, aos moldes de um anúncio em um jornal? Me parece que não…

[12] Como se não bastasse, há um artigo – de novo do próprio Regulamento da. Dosimetria – que diz: “A sanção de publicização da infração não se confunde com a publicação de decisão de aplicação de sanção administrativa (…) com os demais atos realizados(…), para fins de atendimento ao princípio da publicidade administrativa”

[14] Logo, se o que foi veiculada pela mídia especializada estiver correta, minha primeira leitura é que esta decisão em manter sob sigilo os processos administrativos vai contra a lógica de regulação responsiva da sua própria Avaliação de Impacto Regulatório/AIR e, o mais grave, contra a sua própria norma sobre processo sancionador e de dosimetria da pena.

Obs.: a contribuição do DPBR pode ser acessada aqui.

 

 –  Bruno Bioni

 

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