O grupo que tenta emplacar leis municipais de proteção de dados

A cidade de Campinas, a 100 km de São Paulo, é o primeiro município do Brasil a levar o debate sobre proteção de dados para sua Câmara Municipal. Um projeto de lei sobre o tema protocolado pelo vereador Pedro Tourinho (PT) na quinta-feira (21) busca regular os limites do uso de dados pessoais dos cidadãos coletados pela prefeitura. A proposta do projeto é criar um marco legal que garanta que todos os dados coletados por uma administração municipal, direta ou indireta, sejam usados apenas para o desenvolvimento do próprio serviço.

A lei evitaria que as informações fossem vendidas ou usadas para outros propósitos sem a concordância dos cidadãos. O projeto também prevê a constituição de instituições como uma ouvidoria municipal para a proteção de dados e obriga o município a promover a transparência pública sobre o uso dos dados coletados. O texto é inspirado no Projeto de Lei federal 5276/2016, mas adaptado às realidades municipais. É o que diz ao Nexo Paulo José Lara, coordenador da campanha “Sua Cidade Seus Dados” e pesquisador da Lavits — Rede Latino-Americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade, grupo composto por acadêmicos interessados no tema da coleta e monitoramento de dados.

A base do projeto de lei é uma iniciativa da Lavits e foi escrita por Bruno Bioni, também pesquisador do grupo. Segundo Lara, a ideia surgiu depois de um debate sobre tecnologia e proteção de dados na Câmara Municipal de Campinas, e o objetivo é que a iniciativa se espalhe pelas cidades do país. O texto do projeto de lei é “mais genérico”, garantindo direitos e salvaguardas gerais, mas adaptável para a realidade de cada município.

Segundo Lara, “a ideia é que as Câmaras Municipais ou quem esteja interessado, como movimentos da sociedade civil, tenham nesse projeto um modelo para apresentar ao agente político — vereador, ou um grupo de vereadores”. “A gente não quer que esse projeto tenha a cara de um partido ou de uma tendência. O que a gente está buscando é que esse projeto seja apresentado por diversas forças políticas, porque até agora a gente não observou dissenso sobre a importância da proteção de dados pessoais. Então a ideia é que esse projeto consiga juntar diferentes forças políticas para que isso seja colocado nas Câmaras” Paulo José Lara Pesquisador da Lavits e coordenador da campanha “Sua Cidade Seus Dados”.

Além de Campinas, um grupo de vereadores de São Paulo também se mostrou interessado e o processo para o surgimento de um projeto de lei conjunto entre diferentes partidos já está adiantado. Segundo o pesquisador, existe também o interesse de vereadores do Rio de Janeiro, mas em estágio inicial. Por que criar uma legislação municipal Três projetos de lei sobre proteção de dados já tramitam em nível federal. Lara diz, contudo, que a iniciativa local é importante, uma vez que os serviços municipais são “as relações mais próximas que o cidadão têm com as políticas públicas”. O pesquisador cita duas motivações principais para a criação do texto.

Os motivos

CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS

Serviços como o bilhete único do transporte público, por exemplo, ou o acesso a wi-fi público, já coletam dados privados dos cidadãos. Quando administrações municipais cogitam conceder tais serviços a empresas privadas, é necessário, segundo Lara, garantir que os dados não sejam comercializados ou utilizados para outros fins por essas empresas.

FUTURO DAS CIDADES

Lara também cita a tendência de que as cidades, no futuro, utilizem cada vez mais a chamada “internet das coisas” — ou seja, o uso da conectividade de objetos e serviços cotidianos à rede — para fornecer e aperfeiçoar seus serviços. Nesse sentido, “os marcos legais precisam estar prontos para quando essa tecnologia aparecer”, diz.

Dados pessoais como o ‘novo petróleo’

A revista inglesa The Economist trata os dados pessoais que circulam on-line como a principal commodity do mundo, tendo ultrapassado o petróleo. Em texto de maio de 2017, a publicação ressalta que as cinco empresas mais valiosas do mundo atualmente — Alphabet (dona do Google), Amazon, Apple, Facebook e Microsoft —  exploram o mercado digital e têm, na coleta de dados de seus usuários, a chave de seus negócios.

Ao concordar com os termos de uso desses sites, a pessoa que acessa e consome os serviços disponibilizados concorda em fornecer uma série de dados pessoais — desde o nome e e-mail até para que time de futebol ela torce e qual seu estilo de música preferido. Os dados servem, originalmente, para que os serviços façam uma curadoria de conteúdo — quando o Netflix sugere filmes específicos, por exemplo. Mas também são utilizados pelas empresas para direcionar, com mais precisão, a publicidade. É aí que está uma das principais fontes financeiras dessas empresas.

Para além de eventuais riscos de vazamentos dos dados, há uma outra questão: o direcionamento de conteúdo acaba privando o usuário de outras experiências, colocando-o numa espécie de “bolha”. Dessa forma, ganha força em todo o mundo a demanda por uma regulamentação que imponha limites em como empresas e poder público devem coletar, manusear e comercializar esses dados. O fato de ser um ramo da economia muito recente ainda faz com que a área seja pouco regulada e apresente brechas que podem prejudicar quem navega na internet. O Brasil é um dos países mais avançados nesse sentido.

Em 2014, o governo federal aprovou o Marco Civil da Internet, que determina os direitos dos usuários da internet no país e estabelece regras de atuação para empresas e governo. A lei, contudo, ainda não foi totalmente regulamentada e é alvo de tentativas de mudanças posteriores à sua aprovação. O plano da Lavits é que, com legislações municipais, as cidades se adiantem no processo de proteção de dados e construam um sistema mais próximo ao cidadão.

ESTAVA ERRADO: A primeira versão deste texto grafou de forma incorreta o nome do pesquisador Paulo José Lara. A informação foi corrigida às 21h57 de 21 de setembro de 2017. O texto também afirmava que Lara é redator do projeto de lei, quando na verdade  a autoria é de Bruno Bioni. A correção foi feita às 11h02 de 22 de setembro de 2017.

Rafael Iandoli

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