Bruno Bioni fala sobre aplicação da LGPD no caso de identificação de vítimas de inundações

Em matéria sobre listas de desaparecidos que apresentam divergência nas verificações de municípios e do Estado, o Governo Estadual não divulga lista com identificação de mortos com base na LGPD, mas especialistas questionam sua interpretação, de acordo com matéria de 8 de agosto de 2023 publicada por Marcelo Gonzato no GZH Geral.

Desde os primeiros momentos da tragédia que atingiu o Vale do Taquari, diferenças entre a contabilidade de desaparecidos feita por prefeituras e os relatórios oficiais divulgados diariamente pelo governo estadual chamam a atenção de quem acompanha os danos provocados pelas inundações desta semana.

Uma das razões para essa discrepância é o fato de a coordenação estadual da Defesa Civil aplicar uma segunda filtragem às informações sobre pessoas desaparecidas que chegam das cidades afetadas: em vez de incluir automaticamente os números repassados pelas centrais municipais nos boletins, os agentes procuram se certificar de que há mais de um amigo ou familiar buscando o desaparecido, e tentam esgotar todas as possibilidades de contato. Somente depois disso é incluído o novo registro no cadastro.

Outro objetivo alegado para esse maior rigor é evitar divulgações mais apressadas que estimulem a sensação de pânico. Na quarta-feira (6), por exemplo, enquanto o município de Lajeado informava uma cifra de 27 pessoas sem contato apenas em seu território, a Defesa Civil estadual contabilizava somente nove sumidos em todo o Estado — todos eles moradores de Muçum, onde foi registrada maior quantidade de vítimas até então, com 15 mortes.

Na tarde desta sexta-feira (8), a listagem oficial do Estado havia aumentado para 25 desaparecimentos, 8 dos quais em Lajeado. Mas a prefeitura, conforme informações da assessoria de comunicação, ainda apresentava uma contabilidade mais elevada, com 17 habitantes que seguiam sendo buscados. Horas depois, uma nova atualização da Defesa Civil estadual chegou a 46 desaparecidos — o acréscimo se concentrou em Muçum, que passou a somar 30 registros.

“Trabalhamos com os dados que são fornecidos pelas Coordenadorias Municipais de Defesa Civil, mas atuamos para verificar se a pessoa está de fato desaparecida ou apenas com a comunicação inviabilizada. Estamos tendo restabelecimento das comunicações nos últimos dias. Procuramos ter muito cuidado ao fazer esse trabalho para evitar pânico também” — afirma a chefe da comunicação da Defesa Civil estadual, tenente Sabrina Ribas.

Em nível estadual, é verificado se há mais de uma pessoa em busca do desaparecido, a fim de evitar que um desencontro pontual acabe contabilizado pela estatística oficial. A tenente Sabrina Ribas admite que há casos ainda de informações desencontradas pelo ambiente de urgência criado após a ocorrência de desastres naturais, que envolve um esforço inicial concentrado em trabalhos de busca e salvamento.

A orientação do governo estadual é que familiares de pessoas desaparecidas procurem preferencialmente a central da Defesa Civil do município de origem. Isso facilita o trabalho inicial de tentativa de localização, já que os integrantes do órgão, geralmente também moradores da região, costumam ter um conhecimento mais aprofundado da cidade e dos habitantes.

Outro aspecto das divulgações do Piratini envolvendo as vítimas das inundações é a ausência, até o momento, de uma lista dos mortos já identificados com informações básicas como nome, idade ou município de origem. A justificativa, conforme nota da Secretaria da Segurança Pública (SSP) do Estado, seria que “a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) veda a divulgação de dados pessoais dos cidadãos em qualquer circunstância. Além da exposição de vítimas e familiares, a divulgação de dados pessoais representa um risco de segurança pública, no sentido de golpes virtuais que podem ser aplicados a partir da divulgação dos nomes.”

O texto aponta, ainda que “além da lei, em uma situação de emergência climática, muitos familiares podem ainda estar sem contato com as famílias e saberem a morte pela imprensa, o que não é o protocolo de acolhimento do serviço público”.

A justificativa específica de que a lei de proteção de dados impede juridicamente a divulgação de uma lista oficial de vítimas, porém, enfrenta contestações. O advogado Saymon Leão, especialista em direito digital e LGPD do escritório Scalzilli Althaus, avalia que o texto da lei não se aplica a pessoas que já morreram. “Depois que a pessoa morre, os seus dados não podem mais ser resguardados pela LGPD. Mesmo que o motivo de não divulgar seja nobre, o entendimento majoritário hoje é de que essa legislação protege apenas as informações de pessoa titular, quer dizer, pessoa física, que perde essa personalidade depois de morrer” — sustenta Leão. O Diretor-fundador da Data Privacy Brasil, Bruno Bioni, sustenta que é incorreta a informação de que a lei “veda a divulgação de dados pessoais dos cidadãos em qualquer circunstância”.

“A própria lei estipula bases legais para a divulgação de determinadas informações sem necessidade de consentimento do titular, por obrigação legal ou regulatória relacionada ao interesse público, por exemplo. Sempre se deve avaliar a finalidade da divulgação, e como mitigar riscos para o titular ou para outras pessoas que possam vir a ser afetadas”, sustenta Bioni.

Bioni observa que a lei europeia cita especificamente que a norma não se aplica a pessoas já falecidas, o que não ocorre no caso brasileiro. Por isso, acaba havendo uma margem maior para interpretações.

Confira a matéria no link disponível.

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