O governo não lê cada post de “fora, Temer”, mas tudo que envolve política em ambientes públicos das redes sociais é monitorado, categorizado e relatado ao Planalto.
Uma agência publicitária de São Paulo, a Isobar Brasil (antiga Agência Click), é responsável por esse serviço de “big data” (processamento de grande volume de dados) desde 2015.
A empresa monitora a internet em busca de focos de manifestações, identificando quem são os influenciadores nas redes e as principais demandas políticas. As informações são enviadas a órgãos públicos, inclusive agentes de segurança.
O monitoramento em redes sociais para “vigilância” de órgãos públicos foi proibido pelos termos de uso do Facebook após a consultoria Geofeedia, nos EUA, ter sido acusada de colaborar com a polícia na supervisão do movimento Black Lives Matter (contra violência policial), em outubro de 2016.
No Brasil, o Marco Civil da internet, de 2014, determina que dados pessoais, como postagens e informações públicas do perfil, não podem ser usados por terceiros sem “consentimento livre, expresso e informado” dos usuários.
“Se o Facebook proibiu o uso dos dados para vigilância, é porque ele está dizendo que não faz parte do consentimento dos usuários que as informações postadas ali sejam usadas para policiamento”, afirma Jacqueline Abreu, advogada pesquisadora do Internet Lab.
Não se trata de crime ou infração, segundo ela. “Como as informações são abertas, enquadrar como ilegal é muito difícil. É uma questão de transparência, não sabemos que tipo de inferência é feita a partir dos dados”, diz.
A Isobar recebeu R$ 13,8 milhões do governo em 2015 por serviços de comunicação digital. Destes, R$ 113 mil se destinaram a “monitoramento on-line”, conforme o contrato assinado com a Secretaria de Comunicação. Em 2016, a empresa recebeu R$ 17,6 milhões, o quinto maior pagamento feito pelo órgão.
Procurada, a Secom afirmou apenas que a Isobar presta serviços de “comunicação digital, o que inclui o monitoramento de redes”. A empresa não dá entrevistas.
O governo federal também usa “big data” como instrumento de gestão interna, por meio dos serviços da estatal Serpro, que cruza bancos da Receita e ministérios do Planejamento e Justiça.
“Trabalhamos com base em informações sigilosas, como dados financeiros dos cidadãos”, diz Glória Guimarães, diretora-presidente do Serpro. “Analisamos multas de trânsito e dados do Bolsa Família, por exemplo, para formular políticas públicas.”
Para Bruno Bioni, assessor jurídico do NIC.br (Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR), “uma proposta seria que o governo publicasse estatísticas relativas às atividades de monitoramento, para escrutínio público”.
Marco Aurélio Florêncio Filho, professor de direito penal do Mackenzie, diz que o uso de redes sociais pelas autoridades é esperado. “Quando a PF usa dados do Facebook, é lícito, porque é parte da atividade de investigação. Se o perfil é público, qualquer um pode ter acesso.”
NATÁLIA PORTINARI
DE SÃO PAULO
Fonte: Folha de São Paulo
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